Saturday, August 13, 2011

O sol já está entrando pela janela faz alguns minutos. O alarme está tocando há mais tempo.

Ele senta na cama, os pés tocando o chão frio. Desliga o despertador bem devagar, como se desarmasse uma bomba. Ele na verdade sabe que hoje não será um dia bom.
Ele estará disperso. Então ele pratica seu primeiro ato do dia com a máxima atenção pra tentar focar.

Mas ele se perde quando vê o jornal embolado em cima da cadeira em frente a escrivaninha. Na pagina virada pra ele se lê alguma notícias sobre uma multi-nacional que fechou em 3 países por causa da crise. A maior desde a de 29 dizem.
Mas não teve outra dessa também uns dois anos atrás?

Pela janela um outdoor gigantesco de uma mulher de biquini vermelho segurando uma... cerveja. "Quer dizer, eu acho que é cerveja... não consigo tirar os olhos dela pra conferir."

Ele olha desanimado pras contas a pagar em cima da escrivaninha. É, hoje cada pequeno detalhe ruim vai capturar sua atenção e te manter desconcentrado.

Ele olha pro espelho, pensando na instabilidade de tudo e a única coisa que passa pela sua cabeça é "Por que eu simplesmente não desisto de tudo?"

Ele continua encarando seu reflexo esperando uma resposta.

No banho escuta Wasting Light, cerca de 3 músicas e ele sente as premonições positivas. "Okay, é disso que eu precisava" respira aliviado por ter conseguido escapar das "garras da realidade" pra viver aquele dia no "mundo das possibilidades". Ele pensa assim.

Com um "sorriso das possibilidades" ainda restante em seu rosto, ele vai até o armário e coloca uma coca-cola na geladeira.

Ele agora vai pro ônibus. Está atrasado pro trabalho.

Uma mulher linda está sentada próxima a ele.
Ele olha pra ele e ela está olhando com um sorriso leve pra uma janela acima da cabeça dele.
Ele, por outro lado a olha fixamente.

Ele pensa: olha pra mim, olha pra mim

Ela continua olhando sempre há 3/4 dele em todas as direções.
Ele continua focado, como se estivesse fazendo um esforço mental: olha pra mim, caramba, olha pra mim!

Ela não olha.

"meu Deus, ele está olhando pra tudo em volta de mim, menos pra mim. É preciso um verdadeiro esforço e disciplina pra olhar absolutamente tudo à sua volta exceto uma pessoa à sua frente."

Agora no trabalho. Pilhas de papel à sua frente. O dia vai ser longo.

Sentado já à mesa, encara agora a página inicial do youtube. Ele é um exímio praticante da arte de pensar consigo mesmo.
"Vai trabalhar! Vai trabalhar! Pra que? Quer dizer, tudo está indo pro buraco mesmo. Nada é estável... eu é que devo ser fraco demais... quer dizer, existem pessoas com dinheiro, existem pessoas felizes. Por que eu não consigo?? o que eu tô fazendo errado? O qu eue tô deixando de fazer?
Trabalhar!
"Ocupar a mente e a vida."


É noite e ele está indo embora.


Ele para no drive thru do Habib's. De longe ele vê a atendente bonita de sempre, meio gordinha, mas alguém que ele acredita que gostaria dele.

"Nem tão bonita pra me ignorar, nem tão feia pra eu enjoar."

Os carros da frente estão lerdos e atrás dele está o único carro da fila com o farol alto.


Chega sua vez na cabine.
Ele quer parecer confiante.
Alguém com quem ela pode contar. "Você está nesse trabalho sem rumo? Não se preocupe! Eu estou aqui!" é o que passa pela sua cabeça.

Ele sorri galantemente pra ela, que devolve um sorriso mecânico patrocinado pelo Habib's

"Aposto que ao vir trabalhar ela precisa colocar o avental vermelho, o chapéu amarelo e o sorriso."

"se ela chega um dia sem esse sorriso o gerente deve ser do tipo que diz: ´que cara é essa? esqueceu o sorriso em casa? e então ele vai até o fundo do restaurante e retorna com um sorriso novo em folha pra ela usar aquele dia. Mas é só por aquele dia e ela precisa devolver aquele par de sorrisos sem nenhum dano ao final do expediente."

Desanimado ele está se dirigindo pra nova cabine, a de pegar a comida.

De longe ele percebe que a atendente de lá é nova. É a vez dele de parar e pegar seu pedido.

"Caramba, ela é nova aqui. Que gracinha!"

"Eu lembro de um curso que fiz em São Paulo e meu pai me disse: Lá ninguém te conhece, então ninguém vai esperar que você seja como é aqui. Então seja o que você quer ser. Aproveite!"

"Ela nunca me viu. Vou ser o que eu quero ser. Confiante. Uma rocha."

A atendente mais linda do mundo, vestindo o uniforme que deixaria Angelia Jolie broxante, o veste como se vestisse uma... uma marca de roupa cara. Seus tênis all-star rasgados parecem louboutin em seus pés.

"Oi, querido", ela diz com um sorriso real. Ele frequentava o drive-thru do Habib's o suficiente pra saber que aquele sorriso eles não tinham em estoque.

"1 pizza de calabresa e queijo?"

"Isso", ele diz em tom mais grave e com certeza achando que a conquistará com sua cara de "rocha" e sua voz penetrante.

Ela diz, no tom mais agradável que uma voz pode assumir: "Você pode aguardar ao lado por favor? A pizza demora uns minutinhos."

"Claro" responde dessa vez usando duas sílabas. Uma sílaba a mais de um tom apaixonante que "ela com certeza não resistirá".

"Chama ela pra sair" Agora na vaga 3 metros à frente da cabine de entregas, seu carro estacionado tocando "Needle in the hay"

"Your hand on his arm, the hay stack charm around your neck
strung out and thin"

Ele cantarolando. Adora essa música. Adora Elliott Smith.

Olhando pelo retrovisor ele a vê conversando com o motorista do carro anterior. E mentalmente ele sorri pra si mesmo. "Ha, não é o mesmo jeito que ela me tratou. Aí tem coisa. Vou chamá-la pra gente tomar sorvete."
"needle in the hay
needle in the hay
needle in the hay
needle in the hay"
Que música boa


Pelo retrovisor ela o vê chamando com o dedo. Que adorável. "É a minha chance".

Ele abre a porta e sai de seu Ford Ka 2009, com sua camisa xadrez e uma camiseta branca por baixo como se saísse de uma Ferrari vernelha vestindo armani.

A passos confiantes ele cruza aqueles 3 metros como se fossem uma estrada deserta empoeirada.

E não tem mais ninguém ali. Ele espreme os olhos, com aquela cara que Clint Eastwood patenteou. Clint Eastwood espremia os olhos porque tinha terra e poeira voando no velho-oeste. Não tem poeira no estacionamento do Habib's.

"Oi", voltando pras monossílabas graves, ele a cumprimenta.

"Oi, meu bem! Escuta, desculpa fazer você vir aqui! O pessoal tá todo ocupado! Aqui sua pizza"

"Obrigado, meu anjo" Ele responde. Uau! 7 sílabas. Tom grave. Que chance essa garota tem de resistir??

Ele pega a pizza e ela dá uma risadinha. "Ganhei!"

Ele vai colocar a pizza no carro porque, como todos sabem, ninguém parece sexy chamando alguém pra sair segurando uma caixa de papelão.

Mas os 3 metros da cabine até o carro são o suficiente pra ele interpretar aquela risadinha como uma gargalhada zombeteira contida. "Ela tava te zuando! ´meu anjo?´por que você disse meu anjo??´

Ele completa os 3 metros até seu carro, e entra como se dirigisse um Ford Ka 2009 e vestisse uma camisa xadrez com camiseta branca por baixo.

Ele está em casa, abrindo a pizza e a cheirando. Ele sorri. Esqueceu tudo sobre a vadia do Habib's. Hoje tem episódio novo de Breaking Bad! "Careca, com câncer e ainda assim foda!!"

"Não sei prque eu foco na minha aparência, é questão de atitude mesmo!!"

Colocando ketchup na pizza, 3 cubos de gelo num copo. Tira a coca-zero da geladeira e a forma com que ele despeja no copo é como se fosse em uma propaganda! Só falta as gotículas de água escorrendo pelo copo.

Pizza no colo, copo de coca na mesa ao lado e Breaking Bad na tv. O que mais um homem quer dessa vida?

Naqueles 40 minutos ele é a pessoa mais feliz do mundo. Enquanto assiste ele retorna aos acontecimentos do dia
"Não sei porque essas besteiras me abalam. Eu sou feliz!"

Enchendo a boca de pizza e e olhos arregalados não acreditando no que Walter White vai fazer. "Ele não pode mandar matar o assistente do laboratório! Todo mundo adora o Gabe"

Acabou Breaking Bad. Acabou a pizza e a coca.

Ele desliga a TV e é hora de colocar uns relatórios em dia. Ele olha a pilha de papéis em cima de sua mesa da sala.

O pensamento "pilhas de papéis" recorrente em sua mente o faz pensar se esse não deveria ser nome da empresa em que trabalhava

"Ainda são 22:30. Eu vou jogar um pouco de Fieldrunners pra desestressar do dia... depois tomo um banho e faço isso"


"Caramba, estou péssimo hoje em Fieldrunners. Acho que preciso cercar a saída ao invés da entrada!"


O tempo passa rápido. Já são meia noite, o sono começa a chegar. Ele se levanta num salto, uma tática que ele criou pra acordar.

Mas seus passos não se animam pelo salto e o levam pro trabalho na sala. Olha praquela pilha de cerca de 10 cm de altura.

Ele encara por uns segundos e de repente se toca. "Não olhei meus e-mails hoje" E ele corre pro computador como se estivesse esperando algo urgente. Ele não está.

Nada de novo. Volta pra mesa.

De pé, afunda o rosto nas mãos. "De que adianta? Os EUA em crise e eu trabalho pra uma multinacional. Tudo isso vai é acabar mesmo... eu devia fazer algo que tem futuro. O que tem futuro? O que é estável?"

Mais uma vez seus pensamentos o imobilizam de fazer qualquer coisa.

Ele fica parado por mais uns 20 segundos. De cabeça baixa, olha sua barriga e reclama um "Meu Deus" baixo. Ele pensa nas doenças cardíacas associadas à gordura na região da cintura. Seus olhos se enchem d'água e ele se recrimina se sentindo uma bicha. Uma bicha gorda ainda por cima.

"I want a perfect body... I want a perfect soul" Invade sua cabeça como se morasse por lá.
"Pensamentos viados"

Ele desiste. Entra no chuveiro, toma um banho de 20 minutos escutando Foo Fighters na intenção de resgatar qualquer empolgação presa.

Sai do banho e vai direto pro quarto.

Paralisado pelos pensamentos, não atingiu nada.

Parabéns pelo seu dia de loser. É difícil chegar aqui!
"Amanhã tem mais"

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